Este artigo expõe o valor atribuído por um povo amazônico, os Piaroa, à arte da existência cotidiana. Argumenta-se que sua ênfase na criatividade das práticas diárias é próxima de uma poderosa filosofia social igualitária. São também levantadas as dificuldades de se traduzir essa filosofia, onde o eu humano é situado no meio cósmico. O objetivo da tradução seria possibilitar nosso engajamento em um diálogo com os Piaroa a respeito de nossos interesses comuns (sobre a relação do indivíduo com a coletividade, por exemplo, ou sobre a idéia de liberdade, ou a questão da relação entre costumes e formas racionais de tomada de decisão). Os Piaroa são um povo que abertamente evita a idéia de regra social, ainda que valorizem muito a sociabilidade, seus próprios costumes e a mutualidade dos laços comunitários. Ao mesmo tempo, eles demonstram, de modo ainda mais vigoroso, um "individualismo obstinado". Um grande enigma a ser discutido é o fato de que a autonomia pessoal é entendida ao mesmo tempo como uma capacidade social e cultural: o eu volitivo, a relação social e o artifício cultural formam um conjunto de valores associados. Finalmente, é discutida a centralidade das noções de razão reflexiva e confiança pessoal nessa ética igualitária específica.
The article states the high evaluation that an Amazonian people, the Piaroa, place upon the artful skills of everyday existence. It is argued that their emphasis upon the creativity of daily practice is forthcoming from a powerful and egalitarian social philosophy. The difficulties of translating such a philosophy, where the human self are contextualised within a wider cosmic setting, is raised. The aim of translation would be to enable us to engage in dialogue with the Piaroa about common concerns (upon the relation of the individual to the collectivity, for instance, or upon the idea of freedom, or the question of the relation of customs to rational decision making). These are a people who overtly shun the idea of a social rule, yet strongly value sociality, their own customs, and the mutuality of the ties of community. They at the same time demonstrate even more forcefully an "obstinate individualism". A major puzzle to be discussed is the notion that personal autonomy is understood as a social capacity, and a cultural one as well: the volitional I, the social relation, and the cultural artifice are an associated set of values. The centrality of the notions of reflective reason and personal trust to this particular egalitarian ethics will be discussed.