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      Aprendizado da sexualidade em contexto de iniquidades e violências: relatos de aborto de adolescentes de uma favela no Rio de Janeiro, Brasil Translated title: Learning sexuality in the context of inequities and violence: reports of abortion of adolescents from a favela in Rio de Janeiro, Brazil Translated title: Aprendizaje sobre la sexualidad en un contexto de iniquidades y violencias: relatos de aborto por parte de adolescentes de una favela de Río de Janeiro, Brasil

      book-review
      1 , 2 , 2
      Cadernos de Saúde Pública
      Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz

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          Abstract

          O livro Entre o Segredo e a Solidão: Aborto na Adolescência 1 , de Wendell Ferrari, é uma contribuição valiosa para a discussão sobre sexualidade, gênero e aborto na adolescência. O autor apresenta os resultados de uma pesquisa acerca do aborto provocado entre adolescentes, em que são analisados relatos de dez meninas entre 12 e 17 anos que vivem em uma favela do Rio de Janeiro, Brasil. A obra traz reflexões importantes quanto à justiça reprodutiva, pois as histórias contadas pelas próprias jovens escancaram as assimetrias interseccionais de gênero, raça, classe, idade e território. Desse ângulo de análise, o tema é pouco conhecido, sobretudo em virtude da escassez de estudos que alcançam um olhar tão próximo dessa realidade. A Pesquisa Nacional de Aborto de 2021 trouxe dados reveladores sobre a vida reprodutiva das jovens, mostrando que 52% das entrevistadas tinham 19 anos ou menos quando fizeram o primeiro aborto 2 . Proporções mais altas foram detectadas entre aquelas com menor escolaridade, negras. indígenas e residentes em regiões mais pobres. A leitura de Wendell Ferrari nos permite espreitar a realidade por detrás desses números e vislumbrar a experiência dessas jovens. O livro está estruturado em uma apresentação, quatro capítulos sobre os resultados e considerações finais. Na Apresentação, temos um panorama dos dados nacionais e internacionais sobre aborto e são discutidas as dificuldades de obtenção de informações confiáveis sobre o aborto provocado em contextos de ilegalidade. Apesar disso, estudos nacionais mostram a expressiva magnitude do processo, a correlação com a morbidade e a mortalidade materna e a maior ocorrência de desfechos negativos entre mulheres negras, menos escolarizadas e mais jovens 3 . A relevância do estudo de Ferrari é demonstrada pela própria observação de que o aborto provocado é pouco tratado na ampla literatura sobre gravidez adolescente, assim como questões específicas dos adolescentes são pouco esclarecidas nos estudos sobre o aborto no Brasil. Não é de somenos, experenciar uma gravidez, decidir interrompê-la e realizar um aborto em situação de clandestinidade e vulnerabilidade em um momento da vida de aprendizado da sexualidade. No Capítulo 1, Ferrari faz uma análise do tema do aborto no Brasil, dos anos de 1970 até a década mais recente, colocando em análise os diferentes espaços e atores participantes do debate. Autoridades governamentais, organizações partidárias, legisladores, operadores do direito, setores médicos, pesquisadores, autoridades religiosas, mídia e movimentos sociais, especialmente feministas e movimentos de saúde são alguns dos atores envolvidos nas contendas quanto ao tema. Observa o autor que no plano da produção de conhecimentos e desenvolvimento de políticas de assistência às situações de aborto veem-se alguns avanços, contudo obstáculos importantes persistem e podem ser exemplificados pelas polêmicas sobre o direito de interromper a gestação no contexto da epidemia de Zika vírus. Além disso, o horizonte de retrocessos está sempre à espreita. Ferrari observa que os debates sobre reprodução e adolescência tendem a se centrar na gravidez como fato dado, não considerando a questão da gestação indesejada, os processos de decisão sobre mantê-la ou não, as estratégias para viabilizar a decisão de interromper, as dificuldades em virtude da menoridade civil, as relações desiguais de gênero, a falta de autonomia financeira, a falta de informações e conhecimentos sobre o procedimento abortivo, entre outras coisas. No Capítulo 2, o caminho metodológico é detalhado. É muito interessante o relato sobre a construção do campo, as estratégias de aproximação com as adolescentes e o estabelecimento do vínculo de confiança, condição sine qua non para que lhe contassem experiências de iniciação sexual, gravidez e aborto. Psicólogo de formação, trabalhando no ambulatório de uma ONG atuante na favela, Ferrari inicialmente se propôs a separar o psicólogo do pesquisador, mas teve a sensibilidade de se render à dinâmica relacional que as próprias adolescentes impuseram, em que a separação rígida - e artificial - entre os dois papéis não parecia ser relevante. O método e técnicas escolhidos teve como preocupação central permitir que as histórias de aborto fluíssem a partir da perspectiva das jovens entrevistadas, e o modo de conduzi-los foi magistral. Também nesse aspecto, a obra de Ferrari é altamente recomendada a pesquisadora(e)s do aborto e, de modo geral, dos temas que envolvem sexualidade, reprodução e gênero. As histórias contadas pelas adolescentes são apresentadas e discutidas nos Capítulos 3 e 4. A opção do autor de apresentar partes abrangentes de seu acervo de entrevistas no Capítulo 3 foi muito oportuna. Os leitores são expostos não apenas às análises, mas às falas das adolescentes, surtindo um efeito de maior proximidade com elas, conforme pretendido por Ferrari. Ao lê-las, temos um contato mais vívido com suas experiências e somos convidadas a participar ativamente da discussão do material. Os relatos são muito tocantes, ninguém sai incólume. Passam por vários temas como o processo de iniciação sexual, masturbação, dinâmicas das relações com parceiros afetivo-sexuais, usos de contraceptivos, experiência de engravidamento, decisão pelo aborto, itinerários para realizá-lo. Sentimentos múltiplos, ambíguos e conflitantes estão envolvidos nesses itinerários, tais quais culpa e alívio, solidão e solidariedade, estigmatização e afirmação da própria autonomia. No Capítulo 4, Ferrari discute como, a partir da gravidez indesejada, as adolescentes buscam estratégias para acessar o procedimento do aborto, com os poucos recursos que dispõem, mesmo correndo diversos riscos. O abandono pelos parceiros, antes ou depois do aborto, é um componente traumático da experiência. Muitas vezes são parceiros com idade significativamente maior, pertencentes a outra classe social ou casados. Com eles, as jovens mantêm vínculos afetivo-sexuais assimétricos, com autonomia limitada para decidir quando e como ter - ou não - relações, negociar o uso da camisinha e, em face de uma gestação, levá-la adiante ou interrompê-la. Outro componente da experiência das adolescentes é o sentimento de culpa que se acentua em contextos sociais e familiares em que o tema do aborto é silenciado ou associado ao pecado pela visão religiosa. O estigma social reforça o segredo e a solidão do aborto na adolescência, apontando a extrema fragilidade e sofrimento das jovens em suas experiências individuais e trajetórias abortivas. São relatos de dor, desamparo e solidão, antes e depois do aborto. O aborto ilegal é realizado mesmo com todos os riscos envolvidos, seja da clínica da favela, clínicas de outros bairros ou com o uso de medicamento sem origem conhecida comprado na própria favela. Nesse último caso, o autor sublinha novamente o contexto de opressão de gênero ao discutir relatos das adolescentes, uma vez que elas não podem comprar diretamente o medicamento para abortar na favela, pois nesse caso a compra é restrita aos homens, ou seja, uma forma de controle da sexualidade feminina. As meninas sozinhas ou apoiadas por amigas devem arcar com os cuidados de saúde necessários no resguardo, por exemplo repouso, medicamentos para dor e sangramento. As redes de amizade e a Internet são os meios prioritários pelos quais elas acessam a informação para cuidar da própria saúde sexual e reprodutiva. O medo de serem julgadas, maltratadas, denunciadas ou presas afasta as mulheres dos serviços de saúde para cuidados pré e pós abortamento, sobretudo se forem mulheres negras e periféricas 4 . Nesse emaranhado de vivências, é possível perceber também resiliência e resistência; o aborto pode ser de certa forma libertário para as adolescentes. Em geral, o sentimento é de alívio com a interrupção da gestação, seja para perseguirem seus projetos de vida, seja para se livrar de um vínculo marcado por opressões e violências. Nenhuma adolescente relatou arrependimento. Conforme Ferrari sugere, nas Considerações Finais, o direito ao aborto é central para o processo de autonomia das mulheres. Para jovens negras e periféricas, o aprendizado da sexualidade se dá em contextos de iniquidades e violências de gênero, raça e classe. O cenário desnudado pela pesquisa de Ferrari é de injustiça estrutural, com suas expressões nas vivências afetivas, sexuais e reprodutivas das adolescentes. O livro é leitura necessária e indispensável para pesquisadores, ativistas, profissionais de saúde e todas as pessoas que têm interesse em desvendar o contexto social caracterizado pela falta de acesso à saúde, desigualdade de gênero, racismo estrutural, clandestinidade e ilegalidade do aborto que atinge com maior impacto as adolescentes negras moradoras das periferias urbanas.

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          Vulnerabilidade racial e barreiras individuais de mulheres em busca do primeiro atendimento pós-aborto

          As desigualdades sociais no Brasil se refletem na busca por atenção pelas mulheres com abortamento, as quais enfrentam barreiras individuais, sociais e estruturais, expondo-as a situações de vulnerabilidades. São as negras as mais expostas a essas barreiras, desde a procura pelo serviço até o atendimento. O estudo objetivou analisar os fatores relacionados às barreiras individuais na busca do primeiro atendimento pós-aborto segundo raça/cor. A pesquisa foi realizada em Salvador (Bahia), Recife (Pernambuco) e São Luís (Maranhão), Brasil, com 2.640 usuárias internadas em hospitais públicos. Foi realizada regressão logística para análise das diferenças segundo raça/cor (branca, parda e preta), considerando-se “não houve barreiras individuais na busca pelo primeiro atendimento” como categoria de referência da variável dependente. Das entrevistadas, 35,7% eram pretas, 53,3% pardas e 11% brancas. Mulheres pretas tinham menor escolaridade, menos filhos e declararam mais o aborto como provocado (31,1%), após 12 semanas de gestação (15,4%). Relataram mais barreiras individuais na busca pelo primeiro atendimento (32% vs. 28% entre pardas e 20,3% entre brancas), tais como o medo de ser maltratada e não ter dinheiro para o transporte. Na regressão, confirmou-se a associação entre raça/cor preta e parda e barreiras individuais na busca de cuidados pós-aborto, mesmo após o ajuste por todas as variáveis selecionadas. Os resultados confirmam a situação de vulnerabilidade das pretas e pardas. A discriminação racial nos serviços de saúde e o estigma em relação ao aborto podem atuar simultaneamente, retardando a ida das mulheres ao serviço, o que pode configurar uma situação limite de maior agravamento do quadro pós-abortamento.
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            Aborto inseguro no Brasil: revisão sistemática da produção científica, 2008-2018

            O objetivo deste estudo é atualizar o conhecimento sobre o aborto inseguro no país. Foi realizada uma revisão sistemática com busca e seleção de estudos via MEDLINE e LILACS, sem restrição de idiomas, no período 2008 a 2018, com avaliação da qualidade dos artigos por meio dos instrumentos elaborados pelo Instituto Joanna Briggs. Foram avaliados 50 artigos. A prevalência de aborto induzido no Brasil foi estimada por método direto em 15% no ano de 2010 e 13% no ano de 2016. Prevalências mais elevadas foram observadas em populações socialmente mais vulneráveis. A razão de aborto induzido por 1.000 mulheres em idade fértil reduziu no período 1995-2013, sendo de 16 por 1.000 em 2013. Metade das mulheres referiu a utilização de medicamentos para a interrupção da gestação e o número de internações por complicações do aborto, principalmente complicações graves, reduziu no período 1992-2009. A morbimortalidade materna por aborto apresentou frequência reduzida, mas alcançou valores elevados em contextos específicos. Há um provável sub-registro de óbitos maternos por aborto. Transtornos mentais comuns na gestação e depressão pós-parto foram mais frequentes em mulheres que tentaram induzir um aborto sem sucesso. Os resultados encontrados indicam que o aborto é usado com frequência no Brasil, principalmente nas regiões menos desenvolvidas e por mulheres socialmente mais vulneráveis. O acesso a métodos mais seguros provavelmente contribuiu para a redução de internações por complicações e para a redução da morbimortalidade por aborto. Entretanto, metade das mulheres ainda recorre a outros métodos e o número de internações por complicações do aborto é ainda elevado.
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              National Abortion Survey - Brazil, 2021

              Abstract The National Abortion Survey 2021 (PNA 2021) utilized face-to-face structured interviews and a self-administered questionnaire placed in a sealed box to collect data on abortions in Brazil. Interviews were held with a nationally representative sample of 2,000 women, randomly selected from among literate women ages 18 to 39 residing in urban areas. We compared some of the results with previous waves of the survey, PNA 2010 and PNA 2016. Findings show that abortion is in decline but remains a major public health issue. Around 10% of the women interviewed in 2021 said they had had at least one abortion in their lives (compared to 15% in 2010). We estimate that nearly one in every seven women (15%) have had an abortion by the age of 40. We identified a decline in the proportion of women who needed to be hospitalized to finalize their abortions (55% in 2010; 43% in 2021; p = 0.003) and in the proportion of women who used medication for the abortion (48% in 2010; 39% in 2021; p = 0.028). Abortion is an event that generally happens early on in women’s reproductive lives: the PNA 2021 found that 52% of women were 19 years old or younger when they had their first abortion. Higher rates were detected among respondents with lower educational levels, Black and Indigenous women, and women residing in poorer regions.
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                Role: contribuiu para a redaçãoRole: aprovou a versão final
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                Journal
                Cad Saude Publica
                Cad Saude Publica
                csp
                Cadernos de Saúde Pública
                Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz
                0102-311X
                1678-4464
                10 November 2023
                2023
                : 39
                : 10
                : e00129223
                Affiliations
                [1 ] Ipas Brasil, Rio de Janeiro, Brasil.
                [2 ] Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
                Author notes

                Informações adicionais: ORCID: Beatriz Galli (0000-0001-7162-3609); Claudia Bonan (0000-0001-8695-6828).

                Author information
                http://orcid.org/0000-0001-7162-3609
                http://orcid.org/0000-0001-8695-6828
                Article
                08001
                10.1590/0102-311XPT129223
                10642234
                1a83d1fe-5e3b-40c3-b7c9-d9e8aabc2427

                Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons

                History
                : 11 July 2023
                : 27 July 2023
                Page count
                Figures: 0, Tables: 0, Equations: 0, References: 4
                Product

                ENTRE O SEGREDO E A SOLIDÃO: ABORTO NA ADOLESCÊNCIA.   .Rio de Janeiro. :Editora Fiocruz. ;2021. .316. p. ISBN: ISBN: 978-65-5708-007-8. .(Coleção Criança, Mulher e Saúde)  .

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